sábado, 6 de junho de 2009

CORRENTES E ELÁSTICOS: a aplicação funcional do conceito de resistência dinâmica variável

Quem treina a alguns anos, e realiza movimentos em amplitude COMPLETA, ao invés dessa frescuragem de ½ supino, ½ agachamento, ½ desenvolvimento pra ombros em moda nos últimos anos, já deve ter percebido o quanto as posições finais, onde a musculatura encontra se alongada ao máximo, são difíceis.

No supino, a quantidade máxima de carga é limitada pela força que conseguimos desenvolver logo ao descolar a barra do peito, ponto mais difícil. No agachamento idem: é fácil fazer ½ agachamento, mas tente ir até embaixo e ficará colado no fundo com esse peso. O que isso demonstra? Existe uma curva de força que varia em função do grau de flexão/abdução das articulações, e quanto maior essa flexão/abdução nos supinos e agachamentos, mais estaremos limitados na carga final que chega até o topo.

Todos somos mais fortes no topo desses exercícios, e mais fracos no fundo (isso mudará quando falarmos de equipamentos de suporte no powerlifting), com isso ao longo do movimento estaremos fazendo muito esforço em alguns momentos, e em outros apenas deixando a barra subir no embalo (efeito definido pela biomecânica como momento de inércia).


Pensando nisso, Arthur Jones, criador do equipamento Nautilus nos anos 70 aprimorou o sistema CAM de resistência variável. As CAM’s, também chamadas de polias excêntricas têm a forma de uma concha (daí o nome Nautilus), e substituem as polias esféricas no eixo das máquinas (a primeira patente de CAM na verdade data de 1901. Max Herz – Viena). Dessa forma o movimento rotacional do cabo ao redor desse eixo torna se irregular, seguindo a forma da CAM, que é posicionada de forma produzir um “braço” de resistência variável que acompanha o ângulo (ou “braço” de força) da articulação (não estou me referindo a braço como segmento corporal, sim como componente de um sistema de alavancas).

Na angulação articular em que o sujeito tem que fazer mais força, o raio da CAM é maior, aumentando a vantagem mecânica relativa. À medida que a barra sobe e se aproxima do topo, onde ficaria mais leve, o raio da CAM diminui, aproximando-se muito do eixo, e o esforço aumenta proporcionalmente. Essa é a regra pros movimentos multi articulares, onde a CAM funciona como o peão da bicicleta (quanto menor o peão, maior o esforço).

Já nas roscas (movimentos uniarticulares) o CAM atua no sentido oposto, girando junto com o eixo da articulação, e funciona como a coroa da bicicleta; quanto maior a coroa, maior a distancia e maior o esforço. A intenção de Jones era alem de literalmente “reinventar a roda”; e fazer muito dinheiro com isso, vender a idéia de que proporcionando um nível de tensão constante ao longo do movimento, esses equipamentos seriam capazes proporcionar maior força e hipertrofia do que os pesos livres.

Junto com essa idéia, toda uma metodologia de treinamento foi montada pra gerar maior “credibilidade” e tornar a venda dos equipamentos mais interessante. A Nautilus possuía centros de treinamento, onde se preconizava realizar apenas uma série por exercício, cobrindo todo o corpo numa única sessão, 2 a 3 vezes por semana. Dessa forma havia tempo e espaço para uma alta rotatividade de clientes por hora, e com isso muito mais dinheiro no bolso... Como digo, por trás das “inovações científicas” muitas vezes existem objetivos menos nobres....

Uma legião de “fundamentalistas” transformou Jones numa espécie de guru (aliás isso parece ser um problema com o nome “Jones”, como Jim Jones que levou uma cacetada de gente ao suicídio) e seus “ensinamentos” (mais tarde adaptados por Mike Mentzer que criaria o método heavy duty) em verdades "científicas" irrefutáveis. Livros foram escritos sobre seus métodos, sempre com fotos de forte apelo visual ilustrando competidores de bodybuilding da época que na verdade nunca usaram seus métodos... (exatamente como ocorre com os bodybuilders que aparecem em rótulo de suplemento sem nunca terem usado o produto).


FREDERICK HATFIELD E A ACELERAÇÃO COMPENSATÓRIA

Fred, mais conhecido como Dr Squat (Doutor Agachamento) nos anos 80/90, possuía uma combinação que eu considero perfeita: Alem de seu título de PhD, tinha também os calos nas mãos de quem testava e adaptava na prática, aquilo que estudava nos livros. Experimentação prática e vivencia de campo é algo em falta em alguns dos atuais “teóricos” do exercício, especialmente quando o assunto é biomecânica. Fred foi o primeiro a tentar sistematizar uma metodologia de treinamento para powerlifting. Seu resultado foi um recorde mundial de agachamento com 460 kg! Fred também esteve envolvido na preparação de Evander Holyfield (campeão mundial de boxe), Lee Haney (sei lá quantas vezes Mr Olympia), e outros.


... mas voltando ao tema central do artigo: percebendo o fenômeno da desaceleração final nos movimentos com peso livre, a idéia de Fred foi que ao invés de usar máquinas, os atletas deveriam fazer ainda mais força a medida que a carga ficasse leve aproximando-se do topo. Dessa forma, ocorre uma “compensação via aceleração” da maior vantagem mecânica, ou seja, se você é capaz de produzir mais força nesse ponto, APLIQUE MAIS FORÇA, ao invés de simplesmente deixar a barra ser levada no embalo (momento de inércia). Pra isso Fred recomendava o uso de percentuais em torno de 65 a 85%RM, e dessa forma, mesmo com uma carga submáxima, a força era aplicada ao máximo do início ao fim, num movimento explosivo, na tentativa de gerar ainda mais velocidade na fase concêntrica.

Estudo:


The Journal of Strength and Conditioning Research
Article: pp. 99–105 Abstract
Volume 13, Issue 2 (May 1999)

The Effects of Compensatory Acceleration on Upper-Body Strength and Power in Collegiate Football Players
KEN JONES1, GARY HUNTER2, GLENN FLEISIG3, RAPHAEL ESCAMILLA3, and LAWRENCE LEMAK3

The purpose of this study was to compare the effects of maximum concentric acceleration training versus traditional upper-body training on the development of strength and power of collegiate NCAA Division 1AA football players. Power was tested with a seated medicine ball throw (n = 30) and a force platform plyometric push-up test (n = 24). Upper-body strength was tested by using a bench press with 1 repetition maximum (1RM) (n = 30). All players were on an identical off-season weight-training program. The control group performed exercises with conventional concentric velocity, and the experimental group performed the concentric phase of each repetition as rapidly as possible. Two-way repeated-measures analysis of variance was used to determine training and group differences. Significant training effects for all strength and power measures indicated that both groups increased strength and power. Significant training by group interaction indicates the experimental group increased significantly more than the control group in the bench press (+9.85 kg vs. +5.00 kg) and throw (+0.69 m vs. +0.22 m). Significance was not reached for any of the training by group interactions for force platform variables (amortization time −0.46 seconds for the experimental group vs. −0.22 seconds for the control group; average power was +365 W for the experimental group vs. +108 W for the control group). The results of this study support the use of maximal acceleration of concentric contractions by collegiate football players during upper-body strength and power training.


LOUIE SIMMONS

Fred pendurou as botas em algum momento, enquanto Louie, atualmente próximo aos 60 anos, continua na ativa. Louie direta ou indiretamente, é o pai das metodologias do powerlifting moderno. Embora existam vários times espalhados pelo mundo como Super Training, Metal Militia, fica fácil de ver que todos eles comeram nas mãos de Louie Simmons. Louie considera importante o fato dos 3 levantamentos possuírem pontos fracos diferentes para diferentes atletas. Dessa forma o treinamento deve focar na descoberta e especialização desses pontos fracos, e também no desenvolvimento de vários tipos de força, ao invés de simplesmente ir colocando mais e mais peso nos 3 movimentos ao longo de um ciclo linear de periodização.

Louie Simmons

Elásticos e correntes fazem parte do treinamento dedicado ao componente força-velocidade (strength-speed) e fazem a mesma variação dinâmica de resistência; ou acomodação, que Artur Jones buscava através dos CAM´s. A diferença é a especificidade. Correntes e elásticos são facilmente adaptados a pesos e halteres, e dessa forma todos os músculos estabilizadores são envolvidos. O mecanismo propioceptivo continua a ser estimulado para gerar equilíbrio e direção no movimento, o oposto do que ocorreria em máquinas que guiam o movimento num plano único e estabilizam o corpo.

Louie, levando a idéia de Fred um passo além, passou a utilizar correntes e elásticos de forma que os atletas pudessem aplicar mais força e aceleração ainda na fase concêntrica. O principio é simples: quando a barra esta colada no peito durante o supino, ou a bunda próxima ao chão no agachamento, as correntes e/ou elásticos estão no chão e/ou frouxos. A medida que a barra sobe, mais elos da corrente saem do chão, mais o elástico estica, de forma que finalizando o movimento, o atleta terá levantado o peso da barra mais a resistência extra criada pelos elásticos e correntes.

uso de correntes pro desenvolvimento especial de força-velocidade

Para vencer a resistência extra, o atleta é obrigado a explodir contra a barra e gerar o máximo possível de aceleração; mesmo que para quem olhe, ela não se mova tão rápido. Dessa forma uma tensão mais ou menos constante e máxima é aplicada por todo arco de movimento.

Vale a pena lembrar que as correntes não devem descolar do chão quando o objetivo for esse, caso contrário, elas estarão atuando apenas como se fossem anilhas extra, criando apenas instabilidade no movimento de subida.

uso de correntes como anilhas

4 comentários:

  1. Fred e Louis os grandes responsáveis pela evolução dos métodos de powerlifting,atualíssimos!

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  2. OBRIGADO DENILSON POR ATENDER UM PEDIDO E ESCREVER DIVINAMENTE SOBRE O TREINO COM AS CORRENTES!MAIS UMA VEZ COMPARTILHO NOVAMENTE DA SUA OPINIÃO...."nada como ser um estudioso e pesquisador,porém com calos nas mãos,sentindo na prática o que se lê nos livros...."!BJS CRIS.

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  3. Excelente informação e nível de detalhamento.

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  4. Texto de quase 10 anos e muito atual. Excelente Leitura.

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