Na verdade, eu pretendia apenas responder a uma postagem numa página do face, mas após esbarrar em
alguma obscura tecla do minúsculo teclado de meu netbook, a pagina pulou,
jogando fora meus 5 parágrafos sobre o
tema... Sim, eu fiquei bastante irritado!
Sublimei a raiva, e dividido entre o desejo de dormir ou
de atirar o netbook pela janela, decidi então postar no blog...
Voltando ao facebook : Uma foto apresentava, Ed Coan
realizando um terra no estilo Sumo, ao lado de Andy Bolton no estilo
convencional. Acima da foto havia a pergunta: QUAL O MAIS TÉCNICO?
Como na foto haviam 2 , a questão poderia ser tanto sobre
qual dos atletas era mais técnico como
levantador, quanto sobre qual dos dois estilos era mais técnico, ou seja, o
estilo sumo executado por Ed Coan ou o convencional (clássico) executado por
Andy Bolton. Quando em levantamento de peso, usamos a palavra técnica
posteriormente ao advérbio MAIS, obviamente nos referimos a um movimento onde
houve muito mais precisão, frieza, timing, do que adrenalina, explosão ou
raiva...
Observei os comentários antes de responder, pra saber que rumo
tomava a discussão, e uma das postagens me chamou a atenção:
...O VERDADEIRO DEADLIFTING é O CLASSICO, O CONVENCIONAL MESMO. ALI ONDE O ATLETA TEM MAIS DIFICULDADE, POR SER UM MOVIMENTO MUITO MAIS ALTO. SENDO ASSIM O ATLETA TEM
MAIS DIFICULDADE EM SUBIR A BARRA, E ASSIM TRABALHA MUITO MAIS A SUA FORÇA....
Do ponto de vista da física simples, a afirmação esta
correta, uma vez que a fórmula para trabalho (W) é: W= F x D (força X
distancia). Dessa forma, quanto mais longo o percurso de aplicação de uma
força, mais trabalho está sendo gerado.
Os desdobramentos do conceito acima são a princípio bem
simples: Um atleta com 187cm de estatura realizando um levantamento terra
convencional com 300kg, estará
realizando mais trabalho do que
outro atleta com apenas 165cm, devido ao percurso mais longo de subida da barra.
Essa no entanto, é uma análise cinemática, feita a olho nu, observando apenas a
geometria e percurso do movimento.
O que acontece dentro de nossos corpos; ou seja, como
essas forças se comportam e são produzidas, precisa ser medido osso por osso,
levando em consideração músculos e alavancas. Isso faz parte de uma outra
divisão da biomecânica chamada cinética, e tem desdobramentos muito mais
complexos do que simplesmente dizer que” alguém”
só levanta mais peso porque faz um movimento mais curto...
Não, eu não
domino cinética, cinemática ou biomecânica, mas uns 20 anos de powerlifting
somados a alguns conhecimentos básicos de educação física, fazem com que você
consiga entender muito melhor o que se passa em seu próprio corpo.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA: “MOVIMENTO MAIS CURTO DA PRA LEVANTAR MAIS PESO”
Andy Bolton: 183cm, 160kg, 457,5kg de levantamento terra
Benedikt Magnusson: 183cm, 171kg, 460kg de levantamento
terra
Konstantin Konstantinov: 193cm, 140kg, 426kg e levantamento
terra
Fonte:
Wikipedia
Comparem as marcas acima com a relação, peso corporal,
estatura, e marcas das categorias mais leves:
Média de estatura de levantadores até 52kg – 148 a 162cm
Recorde mundial:
Sajeeva Bhaskaran (India) 1993 (260.0
kg.) (India Nationals) (IPF)
Média de estatura de levantadores até 75kg – 164 a 170cm
Recorde
mundial:
Oleksandr Kutcher (Ukraine) 2006 (360.0 kg,) (Columbus, Ohio) (WPO)
Fontes: Strenght and Power in Sport- Paavo Komi, 1991.
http://www.powerliftingwatch.com/records
... e a pergunta (as...) que não quer calar:
Se atletas com menos de 160cm possuem alguma vantagem por
produzir um levantamento mais curto, por que razão os recordes mundiais em peso
absoluto estão nas mãos de atletas com mais de 180cm ? Cadê a tal vantagem
mecânica?
Pra bagunçar logo o negócio, por que os anões (e existem
vários deles competindo no powerlifting) não são os atletas mais fortes do mundo
?
Falarei a seguir sobre SUMO, e deixo para todos aqueles
que exaltam a “pureza” e “legitimidade” do levantamento terra convencional, a missão
de responder as questões acima...
LEVANTAMENTO SUMO E AMPLITUDE DE MOVIMENTO
Uma pequena parte dos “puristas” do peso espalhados pelo
mundo, tem algumas estranhas convicções que são as vezes muito mais filosóficas
do que práticas; embora pertinentes, mas em outras dezenas de vezes, puro
reflexo de um orgulho ferido: seja por uma performance atlética muito abaixo da
média, ou por uma carreira esportiva que nunca decolou. São os atletas que
ninguém nunca viu competir; treinadores que nunca treinaram ninguém; escritores
que nunca vivenciaram aquilo de que falam em seus livros! É claro que eu não
coloco todo mundo nessa posição, incluindo o amigo que emitiu numa boa, uma
opinião pessoal sobre o levantamento terra!
Um atleta de ponta, detentor de recordes mundiais, que
ganha DINHEIRO com o esporte, seja através de bolsa, patrocínio, prêmios em grana,
ou mesmo cursos, livros, workshops e uso de sua imagem, já deixou a muito tempo
de ser “purista”. E digo mais, muitos atletas só chegam ao status de excelência
justamente após romper com toda essa ética hipócrita e mentirosa de nossa
sociedade! Esteroides, estimulantes, betabloqueadores, diuréticos,
eritropoietina, e etc. Estou mentindo? A cada 2 ou 3 anos explode alguma bomba
na mídia, a última foi Lance Armstrong, 7 vezes campeão da Tour de France, o
“Mr Olympia” do ciclismo...
Powerlifting tem muito menos retorno financeiro que os
esportes mainstream, isso pode gerar 2 tipos de comportamento: o atleta liga o
foda-se e se dopa como louco por não ter nada tão valioso a perder, ou, o
atleta é muito mais comedido com o doping (comedido não quer dizer puro), pois
sabe que não vale a pena arriscar sua saúde cometendo excessos para um retorno
muito pequeno... Eu sou tendencioso por ser levantador, e acredito na segunda
hipótese para o nosso grupo.
A questão é, se os atletas fazem todo tipo de coisa para
alcançar maiores resultados e vitórias; incluindo o doping, por que razão os
animais que possuem os terras mais pesados do mundo não levantam no estilo sumo
para brigarem entre si?
Alguém aqui acha que o Andy Bolton teria qualquer problema
de consciência pra adotar o sumo e recuperar seu record batido por B.
Magnusson? Konstantinov, mais alto dos 3, estaria com 20 centímetros de
desvantagem devido a sua maior estatura (183 x 193cm)... Será que ele teria um movimento 20cm mais
curto se adotasse o sumo, e colocaria 20, 30, ou 40kg a mais na barra por isso?
Será que os 3 atletas são “puristas” adeptos da “única
forma legítima, ética, e politicamente correta de se realizar o levantamento
terra”? Ou será que após mais
de uma década de carreira nos esportes de força, perceberam que suas estruturas
simplesmente não são ideais para o sumo?
EFICIÊNCIA DE FORÇA x MÁXIMA PRODUÇÃO DE FORÇA
Li algo sobre eficiência em algum canto, algo que eu nunca
havia pensado. Eficiência não é um meio de se obter o maior resultado, mas sim
a forma mais econômica de produzir “algum” resultado. Um sistema eficiente
consegue o máximo de produção com o mínimo dispêndio de material e energia. O
que esse mesmo sistema poderia produzir no entanto, com uma abundancia de
energia e de material? No mínimo mais, ou,,,, quem sabe,,,, muito mais produção! Você deseja o máximo de resultados ou o máximo em
eficiência?
Faça uma experiência, adote o estilo sumo e veja se vai
levantar 10, 20, ou 30kg a mais por isso... Caso negativo, toda essa
eficiência, esse percurso mais curto, não valeu de nada! A única razão pra você
não tentar, é não ligar pra medalha, e se você não liga, arrume algo melhor pra
fazer do que ir aos campeonatos ué...
Um
movimento mais curto, pode sim ser um movimento mais econômico ou eficiente,
mas não necessariamente mais forte!
Dúvidas?
Levantadores realizam duas provas, o arranco e o
arremesso. No último, embora a pegada seja mais fechada, os atletas terminam
com pesos 20 a30kg maiores acima de suas cabeças. É verdade que o peso sobe apenas até os ombros
no arremesso, para depois ser lançado, mas por que então os levantadores não
abrem a pegada o máximo possível após assentar a barra sobre os ombros para
diminuir a distancia que o peso terá que subir?
Porque a maior parte dos iniciantes realiza a barra fixa
com mais facilidade com a pegada na largura dos ombros; apesar do maior
percurso, do que com a pegada aberta?
Por que se observa o mesmo no desenvolvimento de ombros
com barra?
Por que pegar com a abertura máxima não é uma constante
nos campeonatos de supino sem camisa de força, havendo inclusive atletas que
fazem quase um tríceps supinado?
Finalmente, por que todos os powerlifters do mundo não
fazem sumo?
O levantamento sumo, reduz o ângulo de flexão em
praticamente todas as articulações envolvidas no gesto, dependendo da abertura
da base e de quanto o atleta decide “agachar” no movimento. O que num primeiro
instante só nos faz pensar em vantagem, no entanto esses ângulos diminuídos, em
alguns indivíduos podem...
1- ...Não
oferecer a melhor relação tensão comprimento nos sarcomeros para uma produção
máxima de força, e/ou:
2- Atletas
mais altos podem embaraçar-se com as próprias pernas, lutando para manter o
quadril abduzido e os joelhos fora do caminho da barra;
3- Atletas
muito pesados por outro lado, podem ter dificuldade em agachar até a barra , e ao mesmo tempo manter seu centro
de gravidade próximo o bastante dela!
A relação tensão comprimento é uma discussão fisiológica
que pode caminhar para a abstração, mas as questões 1 e 2 eu observo no dia a
dia...
Falando mais de vivencia e menos de ciência, minhas
percepções são:
No terra convencional, muitos atletas no auge da
adrenalina, apenas colam a barra nas canelas, abaixam e puxam. O quanto o trabalho
será dividido entre quadríceps e lombares, acaba sendo secundário, com tanto
que a barra esteja colada no centro de gravidade... Alguns dos terras mais pesados do mundo são
feitos bem “stiffados”. A força bruta
pode nessa circunstancia ajudar muito. Esses mesmo atletas no entanto, teriam
dificuldade em finalizar o primeiro tempo de um arremesso nessa posição. É tudo
muito intuitivo. O atleta automaticamente adota uma base entre a largura dos
ombros e quadril; é obrigado a dobrar um pouco os joelhos porque todos temos
posteriores de coxa encurtados; e a essas alturas todo mundo já gritou no
ouvido dele: “cola a barra na canela”... e resto é abaixar e puxar, simples
assim!
O sumo em contrapartida, é um movimento mais técnico, e
requer muito mais precisão e consciência corporal. Digo isso de cadeira, pois
competi alguns anos no estilo convencional! O atleta tem de estar atento a
muitas sutilezas no movimento:
1- O
quanto os pés devem voltar-se para fora...
2- O
quanto afastados devem estar...
3- O
quanto abaixar o quadril para conseguir a contribuição perfeita dos membros
inferiores sem tirar totalmente o trabalho dos lombares; ou seja : sem
transformar o movimento num agachamento com a barra nas mãos...
4- O
quanto conseguimos trazer os ombros sobre a barra antes do início do
movimento...
5- Manter
o quadril o suficientemente aberto/abduzido (joelhos afastados) de forma que as
coxas não bloqueiem os braços...
6- Como
manter a lombar arqueada sem empurrar todo o quadril muito para baixo ou as
escapulas muito para cima da barra no outro extremo...
7- FAZER
TODOS ESSES AJUSTES EM UMA BASE MUITO MAIS INSTÁVEL, DEVIDO A ROTAÇÃO EXTERNA
DO QUADRIL, COM OS PÉS APONTANDO PARA FORA...
E afinal? Qual o melhor estilo? O mais técnico ou o mais
bruto?
Aquele em que você levantar mais peso e te der chances de
subir ao pódio, simples assim!
... pra quem não sabia, Ed Coan com 350kg em estilo convencional. Coan, mesmo quando competindo em estilo sumo, utilizava esse movimento como parte da preparação, reservando o sumo apenas para as ultimas semanas.Foto do mundial da IPF de 1995.
Excelente!
ResponderExcluirParabéns,otimo texto!!
ResponderExcluirParabéns,otimo texto!!
ResponderExcluirMuito bom mesmo, ótima contribuição.
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